Grissom e Sara escutavam com atenção as palavras da
coordenadora, que ia esclarecendo as dúvidas deles.
JB: Como acontece com todos os pais, a mãe e o pai
de uma criança cega querem que tudo o que acontece ao seu filho contribua para
desenvolver a autoconfiança e a independência. Querem que ele coma, ande, se
vista, brinque com outras crianças, vá à escola e tenha uma vida social como
todas as outras. Há certas coisas que todas as crianças precisam: precisam
saber que são amadas e desejadas e que são membros importantes da família;
precisam ser capazes de se desembaraçarem sozinhas e gostam que os outros se
apercebam disso; precisam conhecer a sensação de ter feito algo bem feito;
precisam desenvolver continuamente as suas capacidades. A criança cega precisa de tudo isto tanto como as
outras. Ela é uma criança dentro dos padrões da normalidade como as outras; o
que a diferencia é apenas o aspecto visual, mas nem isto constitui uma barreira
quando ela é bem preparada para encarar o mundo aí fora. Grissom levantou para fazer uma pergunta.
LB: Pois não, senhor. Qual a sua dúvida?
GG: Minha esposa e eu somos pais de primeira
viagem e nossa filha nasceu com deficiência visual. Gostaria de saber como
lidar com ela, de que forma a incentivaremos para as brincadeiras, para que ela
sinta os objetos, enfim, para que ela se desenvolva intelectualmente.
LB: É pertinente sua pergunta e bem comum. Veja
bem, senhor...
GG: Grissom.
LB: Veja bem, senhor Grissom, durante
os primeiros meses tudo o que a criança precisa é de comida, sono e mimo. Pegar
nela, apertá-la ao peito e passear com ela pela casa contribui para que se
sinta amada e segura. A criança nasce desejosa de conhecer as coisas do mundo
exterior e de percorrer todos os lugares. Mas se não enxerga, precisa ser
estimulada a pegar nos objetos e a mexer-se por meio de palavras, de sons e de
uma grande variedade de objetos para manipular. Assim, essa curiosidade inata
levará ao seu crescimento e desenvolvimento. Para
começar, a criança cega precisa de ser levada de um local para o outro muito
mais do que qualquer outra criança. Ela gosta de ouvir as conversas das pessoas que a
rodeiam e gosta, sobretudo, de que falem com ela. Deve sentar-se a criança
amparada com almofadas durante algum tempo todos os dias, na mesma idade em que
isso se faz com as crianças que vêem. Se a
criança cega souber que existe um fio atravessado no seu berço com objetos
vários pendurados ela começará a esforçar-se por alcançar e manusear esses
objetos. Alguns pais só muito tarde começam a brincar
com o filho cego. Não o fazem saltar nos seus joelhos e muitas vezes nem sequer
lhe pegam. Todos os bebês gostam dessa brincadeira e de demonstrações de
carinho sejam cegos ou não. Podem ser pequenos, mas não são frágeis e apreciam
uma boa brincadeira com o pai ou com a mãe. Outra coisa importante quando se
trata da criança cega, principalmente se ainda for um bebê é que devem sempre
dizer quando irão pegá-lo no colo. Caso contrário ele poderá assustar-se se lhe
pegarem, de repente, sem contar.
Àquela altura, Sara já se encontrava em lágrimas.
E a coordenadora continuou com a bonita palestra.
LB: Alguns pais deixam o
seu bebê cego demasiado tempo deitado no berço, mesmo quando ele próprio já
quer movimentar-se e pôr-se em pé agarrado às grades. Fazem isso com medo de
que ele se magoe quando começar a andar de um lado para o outro. Mesmo quando o
colocam no chão, limitam-lhe o espaço. A maior parte das crianças cegas pode
perfeitamente explorar o espaço exterior ao berço. Utilizam-no para andar à sua volta e para se
segurarem quando querem ficar em pé, logo após conseguirem manter-se sentadas e
tocar o chão. Pode ser necessário estimular a criança cega a dar alguns passos
fora do seu ambiente natural, para sentir a diferença entre o tapete e o chão
liso, para tentar encontrar os carrinhos que se puseram em determinado local
para ela. Mas não deve nunca forçar-se a isso. Nesse dia ela pode não estar
disposta a fazer novas experiências e pode mesmo recusar-se a fazê-las. No dia seguinte ou dois dias depois poderá ser ela
própria a querer fazer esse "jogo". Deve dar-se à criança liberdade
para ser ela a decidir. A criança que vê agarra os objetos à sua volta e
movimenta-se para ir procurá-los. Uma criança cega não procura no desconhecido
a menos que seja motivada nesse sentido. Uma voz ou um som que chame a sua
atenção - um sino, por exemplo - pode ser o ponto de partida para que ela se
desloque em sua direção. Alguns pais tentam atrair a criança utilizando o
seu brinquedo preferido ou orientam-no nas deslocações tocando-lhe de leve. Até ao momento em que a criança começa a
deslocar-se na sala ou no local onde costuma permanecer, o seu campo de exploração
é extremamente limitado e os objetos que manuseia também o são. Para além disso o movimento é importante não só
para o conhecimento do mundo que a rodeia, mas também para o seu
desenvolvimento muscular. Outro ponto no que diz respeito às crianças cegas com
relação às ditas “normais” é a de que elas são iguais às outras
intelectualmente. No início, algumas crianças cegas podem ser mais lentas na
execução de certas atividades e na aprendizagem. Esta lentidão pode preocupar
os pais, que podem ser levados a pensar que o seu filho tem um atraso mental,
contudo a lentidão não é fator indicativo de deficiência mental. As crianças
cegas têm a mesma capacidade de aprendizagem que as outras crianças. A maior
parte é intelectualmente média, algumas ligeiramente abaixo da média e algumas
são mesmo super dotadas, como de resto acontece com as crianças em geral. Os
pais de uma criança cega podem esperar que ela participe em certas tarefas, tal
como acontece com as outras crianças. Não é necessário esperar que ela seja
mais velha, pois para algumas, ela já tem a idade suficiente e apenas necessita
de ter oportunidade. Se a criança cega tiver as mesmas oportunidades que uma
criança que enxerga, se tornará do mesmo modo uma pessoa válida de pleno
direito. Se os pais chegam à conclusão de que determinada tarefa é demasiado
difícil para o seu filho, não o devem forçar para que consiga realizá-la
inteiramente, mas devem encorajá-lo, elogiá-lo pelo esforço despendido e tentar
de novo em outro momento. Enfim, tratar seu filho como uma criança normal.
A coordenadora ainda palestrou por mais uns dez
minutos. No fim, Sara e Grissom foram falar com ela.
SS: Sua palestra foi ótima! Nos esclareceu vários
pontos, coisas que não tínhamos a menor idéia. Agora poderemos lidar melhor com
nossa filha, aceitando-a como ela é sem nenhum medo de errar.
JB: Ter um filho com deficiência, seja ela qual
for, não é nenhum bicho de sete cabeças, basta ter sensibilidade de enxergar
nele uma criança capaz como qualquer outra.
Sara e Grissom absorveram cada palavra dita pela
palestrante. Além de ajudar a filha em casa, matricularam o bebê
na instituição, que a ajudou no desenvolvimento. Com um ano de idade, Meg,
mesmo que não enxergasse absolutamente nada, era um bebê risonho e feliz. Os dois amavam sua pequena com muita intensidade. E faziam questão de não perder nenhum momento da
vida dela. Fotografavam, filmavam e sempre a levavam em
parques, para que pudesse interagir com outras crianças. E Meg foi mostrando ser uma criança independente.
Desde bebê fazia esforço para caminhar, segurando nas barras do berço, apalpava
os objetos e tocava nos pais. Quando completou cinco anos de idade, Grissom e
Sara fizeram uma grande festa para ela. Convidaram todas as crianças da
instituição, e houve muita alegria. Eles perceberam que as crianças deficientes
visuais são crianças que amam estar entre outras, que não há diferença entre
elas.
JB: A festa da Meg está linda. Muito obrigada por
terem convidado as crianças da ACDE. Estão todas muito felizes.
SS: Era o mínimo que podíamos fazer. O que vocês
fazem pela Meg não há nada que pague. Minha filha está feliz, esperta, adora
conviver com as crianças de lá, tem uma ótima saúde... Não posso pedir mais
nada da vida, apenas que ela cresça livre de qualquer paranóia e capaz de
enfrentar o mundo.
JB: Vocês como pais estão de parabéns. Jamais
trataram sua filha como uma coitadinha, uma pobre infeliz. Pelo contrário,
sempre a incentivaram em tudo. E ela já sabe ler e escrever em braile. É mesmo uma vitória!
Alguns dias mais tarde, Sara percebeu que a filha
tinha um semblante triste e andava mais calada que o de costume. Era noite e
ela brincava sozinha no quarto. Grissom estava no escritório pesquisando uns
assuntos na internet. Sara foi falar com a filha.
SS: Posso entrar?
MG: Sim, mamãe.
SS: Do que você está brincando?
MG: De casinha. Minha filhinha está dormindo,
estou arrumando as roupinhas (na verdade, estava embolando as roupas, mas era o
jeito dela de arrumar).
SS: Meg, tenho sentido que você anda mais calada que
de costume. Está triste com alguma coisa e não consegue nos dizer, ou não quer
nos dizer?
MG: Não, mamãe. Sou muito feliz. Não estou triste.
SS: Meg, não minta, sei quando está mentindo.
A menina ficou calada por alguns segundos, até
falar:
MG: Um menino me xingou.
SS: Quem fez isso com você? Onde ele mora?
MG: Ele disse que Deus me castigou, por isso tirou
minha visão. Eu chorei muito, mamãe.
SS: Filha... – Sara levou a mão na boca e as
lágrimas rolavam – Quando ele disse essa monstruosidade?
MG: Já tem tempo... Ele já mudou daqui. Mas não
estou triste não, mamãe, e nem quero que você fique. Está chorando? – ela tocou
o rosto da mãe.
SS: Eu? Não, filha.
MG: Posso te contar uma coisa?
SS: Pode.
MG: Sou muito feliz assim.
Naquele momento Grissom entrara no quarto e ouvira
as palavras da filha.
SS: É, filha?
MG: É.
GG: E minha princesa pode me contar sobre sua
felicidade?
Grissom sentou-se no chão, abraçando a filha, que
abriu um sorriso.
MG: Papai, eu disse pra mamãe que sou feliz assim,
do jeito que eu sou.
GG: Fico feliz, filha.
MG: Eu sei que tem tanta criança que vive nas
ruas, sem papai nem mamãe, e tem fome... Eu tenho uma casa grandona, um monte
de brinquedos, meus amigos na escola... Obrigada por gostarem de mim. Eu vejo
vocês aqui ó... – apontou o coração.
Os três se abraçaram e sentiram a vibração de amor
que os rodeava. Meg não enxergava com os olhos, mas enxergava perfeitamente com
o coração. Ela era uma garotinha amada e muito amorosa. Sara e Grissom haviam feito um bom trabalho na criação
de sua menina. E ela ainda daria muitas alegrias futuramente.
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