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A presença da ausência – cap. 2



Mas como falar de filhos com um marido que a cada dia estava em um canto diferente do planeta? Como abrir seu coração para falar de suas vontades, desejos, carências e tristezas se não havia ninguém para ouvi-la? Se o homem a quem ela sempre amara nunca estava presente...
Sara estava chegando aos 40 e sentia a presença do tempo em seu corpo; ao redor dos olhos haviam alguns pés de galinha que, embora mostrasse sua vivência, sua maturidade, era algo que de alguma forma a incomodava, porque era uma declaração expressa de que não era mais a Sara de São Francisco, quando, ao conhecer Grissom, tinha apenas 26 anos. Nessa rotina de querer se dedicar ainda mais ao trabalho, para esquecer que, ao chegar em casa, encontraria só solidão, Sara quase não comia nem dormia, e com isso estava muito magra. Catherine chegou a dizer que a invejava, pois, enquanto a perita mostrava um corpo mais magro e esbelto, a loira havia ganhado uns culotes indesejáveis – pesadelo de uma loira vaidosa. Enquanto lia e relia o e-mail de Grissom, Sara pensava naquelas coisas todas. E mandou uma resposta rápida para ele:

“Não se preocupe, estou bem.

Sara”

Não iria, em hipótese alguma, mostrar dor e tristeza a quem, apesar de ser seu cônjuge, parecia não fazer questão de retornar ao lar que construíram juntos um dia. Os sentimentos dentro dela estavam desordenados, causando certa confusão na mente dela. Mas o sentimento mais forte e que este ela não conseguia desfazer tampouco controlar era o da solidão. Estava cada vez mais difícil suportar estar sozinha quando sabia que tinha um homem que lhe cuidaria. Sara enviou o e-mail, fechou o notebook e saiu do quarto. Foi até a cozinha, onde pegou uma garrafa de cerveja. Sentou-se no sofá e disse a si mesma: “está tudo bem, Sara!”

Será que estava mesmo?

Naquela noite, Catherine ligou para a amiga. A loira percebia a tristeza em Sara, mas não comentava nada para respeitar a privacidade dela.

CW: Como você tem passado, Sara?
SS: Nos vimos ainda hoje, Cath!
CW: Eu sei, mas queria saber de você. Por isso te liguei.
SS: Estou indo...
CW: Amanhã é sua folga, né?
SS: Não queria. Protelei o quanto pude, mas Ecklie recusou-se a me livrar da folga.
CW: Está difícil pra você quando está de folga né? Eu entendo...
SS: O que vou dizer, Cath?
CW: Não precisa me dizer nada. Seus olhos me dizem todos os dias.
SS: Chegar em uma casa e não encontrar o homem que, teoricamente, deveria ser seu marido, é péssimo para qualquer mulher! Ainda por cima tenho de ficar ouvindo elogios ao meu casamento, que só existe mesmo no papel!
CW: Acho que você deveria tomar uma atitude, sabe? Torci tanto para que o Gil admitisse que te amava e ficasse logo com você, e quando vocês enfim conseguem se acertar, ele abre esse buraco entre os dois. Não há amor nem casamento que resista à distância. E quem fala que o amor verdadeiro suporta tudo, até distância, é porque nunca se viu tanto tempo longe da pessoa amada.

Do outro lado da linha, Sara chorava em silêncio, sem fungar nem dar qualquer sinal de que seu pranto estava descendo. A dor estava tomando conta de seu coração e de sua alma. Antes que a amiga percebesse que estava aos prantos, Sara, disfarçando o máximo do máximo inventou uma desculpa e desligou.
Em seguida, permitiu-se chorar copiosamente, como se fosse uma criança que estava longe da segurança da mãe. Ao pegar um porta-retratos na qual havia uma foto dela abraçada a Grissom em Paris, a bela chorou ainda mais. 
Aquela imagem parecia lhe passar uma mensagem, de que os bons tempos estariam eternizados... apenas em fotografias. A solidão na qual Sara se encontrava era como um punhal fincado no peito, que ia rompendo as artérias aos poucos, causando uma morte lenta e dolorosa. Será que o casamento o qual tanto almejara estava tão ferido assim, a ponto da solitária esposa pensar em outras possibilidades, como separação... tempo... liberdade...?
Na manhã seguinte, mais uma vez acordara de mau humor. Havia tempos que Sara acordava assim, diferentemente de quando seu marido dividia a cama com ela. Evidentemente que essa situação de casamento à distância, solidão, causava esse tipo de comportamento. Os amigos no lab percebiam o quanto Sara estava arredia e tinham uma vaga impressão de ser por causa de Grissom. Pelo menos os mais próximos, como Catherine, Nick e Greg. Os outros, novatos no lab, não sabiam nada da vida dela. E na situação atual, Sara não tocava nesses assuntos de família, casal, amor. A bela perita, cada vez mais bonita, embora estivesse trincada internamente, ajeitou os cabelos, vestiu seu short (dormia de camiseta e calcinha) e foi ao banheiro escovar os dentes. Depois, seguiu para a cozinha, afim de preparar seu café da manhã. A campainha tocou. Sara atendeu e um rapaz a entregou um vaso com uma nova planta. Nem pensou, já deduziu que se tratava de Grissom. Leu o cartãozinho que viera junto e lá estava: “De Grissom”. Ela bufou insatisfeita. Olhou em sua sala e viu a “coleção” de plantas que estava juntando. Mais um pouco e sua sala se transformaria em uma floresta tropical! Sara foi tomar seu café, e alguns minutos depois, um toque em seu celular foi ouvido. Não era chamada, era uma mensagem recebida. Era de Grissom.
 
“Sara, recebeu a planta que te enviei? Entre no skype, estou te esperando. Grissom”.

A perita arqueou a sobrancelha e foi ligar o notebook. Conectou à internet, abriu o skype e deu de cara com um Grissom mais envelhecido, mais rechonchudo (parecia ter comido demais) e mais rosado.

GG: Olá querida! Como você está?

Sara levou alguns segundos para responder.

SS: Como você acha que estou?
GG: Imagino que bem ocupada. Como vai no lab?
SS: Nada de mais, apenas crimes e criminosos. E você, onde está agora?
GG: De Florença segui para Ibiza. Aqui é fantástico! Praias lindas, sol escaldante, gente alegre!
SS: Escuta, você está a trabalho ou a lazer?
GG: Diria que os dois. Oras, querida, se estou no paraíso, tenho que aproveitar, não é?
SS: É claro... – respondeu completamente desanimada.
GG: Não se preocupe! Em breve você estará aqui comigo. Estaremos juntos novamente. É só questão de terminar de...

Sara, que já estava muito chateada com toda aquela situação, acabou interrompendo-o de forma agressiva:

SS: É só uma questão de você terminar de curtir a vida, não é isso o que queria dizer?
GG: Como é?! – ele ficou surpreso com a forma dela se expressar.
SS: Porque você não diz de uma vez que se arrependeu de se casar comigo e quer voltar a ser um homem livre?
GG: Você está me interpretando mal, Sara! Nunca disse que não queria mais ser casado com você! Não recebe as plantas que lhe envio?
SS: Mais algumas delas e meu apartamento vira a floresta amazônica! Acha que mandando plantas está compensando a sua ausência?
GG: O que deu em você para estar tão agressiva comigo?
SS: Se prestasse um pouco de atenção, saberia que não é com você que estou brava... é com tudo! Tudo o que estou sentindo, tudo o que estou vivendo, tudo me deixa brava!
GG: Acalme-se, Sara!
SS: Não me peça para ficar calma porque não vou ficar! Você não está perto para saber como tenho vivido longe de você! É claro que não estaria presente, você nunca está por perto, está a cada dia num lugar diferente...

Grissom ficou mudo, sem reação. Nunca vira a mulher tão brava, ainda mais depois que se casaram. Tentava compreendê-la, mas ela lançara uma barreira entre eles. Não conseguia enxergar que fora ele quem pusera o muro entre os dois. Era ele quem estava afastando Sara de si, involuntariamente. E continuou mudo quando ela continuou a falar:

SS: O que o casamento representa para você? Morar junto e pronto? Ou a união de duas pessoas que se amam e desejam dividir os melhores momentos da vida juntos, para sempre? Porque talvez você precise aprender melhor sobre isso, seu conceito de casamento é péssimo!
GG: Quer me escutar, Sara?
SS: Para você dizer o quê? “Querida, estou muito ocupado com pesquisas, mas estive em Paris e me lembrei de você!”. Faça-me o favor, Gilbert! Você não precisa me lembrar que estou em Vegas, ralando e você em eternas férias em lugares lindos os quais eu gostaria de estar também mas não estou! Eu sempre soube qual era o meu lugar. E certamente não faço parte das pessoas mais importantes de sua vida! Quer saber? Me cansei desse papo! Tchau!

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